A questão das heranças e das mais valias tem sido um dos temas mais debatidos entre herdeiros e especialistas fiscais em Portugal. Até há pouco tempo, vender a sua parte de um imóvel herdado, especialmente quando a herança ainda não estava dividida, podia traduzir-se numa pesada fatura fiscal em IRS sobre as mais valias. No entanto, uma recente decisão do Supremo Tribunal Administrativo veio mudar radicalmente este cenário, trazendo alívio e novas oportunidades para milhares de contribuintes.
Quando uma pessoa falece e deixa bens para os seus herdeiros, esses bens formam uma herança. Enquanto não houver partilha formal, a herança é considerada indivisa, pertencendo a todos os herdeiros em conjunto. Cada herdeiro detém um “quinhão hereditário”, ou seja, uma quota-parte abstrata da herança, que pode incluir imóveis, contas bancárias ou outros bens.
Por sua vez, as mais valias referem-se ao lucro obtido com a venda de um bem, como um imóvel. Em regra, a venda de imóveis está sujeita ao pagamento de IRS sobre as mais valias, o que tem impacto direto no valor líquido recebido pelo vendedor.
Durante anos, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) defendeu que a venda de um quinhão hereditário, ou seja, da parte de um herdeiro numa herança indivisa, era equiparada à venda de um imóvel. Assim, exigia o pagamento de IRS sobre as mais valias resultantes dessa transação. Esta interpretação levou muitos contribuintes a pagar impostos elevados ao venderem a sua parte da herança, mesmo sem nunca terem usufruído do bem em questão.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio, recentemente, contrariar o entendimento da AT. Num acórdão de uniformização de jurisprudência, o STA clarificou que a venda de um quinhão hereditário não constitui uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Em termos práticos, isto significa que, ao vender a sua parte numa herança indivisa, o herdeiro não está a vender diretamente o imóvel, mas sim a sua posição na herança.
Como resultado, os eventuais ganhos obtidos com esta venda não estão sujeitos a IRS sobre as mais valias. Esta decisão uniformiza a jurisprudência e obriga os tribunais a seguir este entendimento em casos futuros, protegendo os interesses dos herdeiros.
Esta mudança é especialmente relevante para quem herdou bens imóveis em conjunto com outros familiares e, por qualquer motivo, pretende vender a sua parte antes da partilha formal da herança. Agora, ao vender o seu quinhão hereditário, o herdeiro não terá de pagar IRS sobre mais valias, ao contrário do que acontecia até agora.
Além disso, os contribuintes que já tenham pago imposto sobre mais valias em situações idênticas podem solicitar uma revisão oficiosa junto da Autoridade Tributária. Caso a revisão não seja favorável, podem ainda recorrer aos tribunais, onde a nova orientação do STA será determinante para a decisão.
Se está a pensar vender a sua parte numa herança indivisa, é importante informar-se junto de um advogado ou contabilista especializado em direito sucessório e fiscal. Certifique-se de que a transação é corretamente documentada como venda de quinhão hereditário e não como venda direta de imóvel, para evitar problemas com o Fisco.
No caso de já ter pago IRS sobre mais valias numa situação semelhante, reúna toda a documentação e peça a revisão do processo. Esta pode ser a oportunidade de recuperar valores pagos indevidamente.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo marca um novo capítulo na tributação das heranças em Portugal. Ao clarificar que a venda de quinhão hereditário não está sujeita a IRS sobre mais valias, abre-se um precedente importante que poderá influenciar futuras alterações legislativas e a atuação da Autoridade Tributária.
Para os herdeiros, esta é uma vitória significativa, que traz justiça e transparência ao regime fiscal das heranças. Ao mesmo tempo, reforça a importância de estar atento às decisões judiciais e de procurar aconselhamento especializado em matéria de heranças e mais valias.